30 de abr. de 2025

Izadora Perkoski falando a real sobre Design

Izadora reflete sobre o papel do design como ferramenta de impacto social, os perigos da superficialidade, a importância do método científico e os desafios éticos de quem projeta produtos em um mundo em constante transformação.

Continuando nossa série Falando a real sobre Design, convidamos Izadora — cientista comportamental, consultora e pesquisadora — para compartilhar sua visão crítica e profunda sobre os rumos do Design de Produtos Digitais.

Com uma trajetória que cruza psicologia, educação, ciência e tecnologia, Izadora fala com propriedade sobre as tensões entre teoria e prática, os riscos da superficialização do design e o papel da pesquisa como ferramenta transformadora. Nesta entrevista, ela aponta caminhos éticos e estratégicos para quem busca atuar com responsabilidade, rigor e propósito em um mercado em constante mudança.

Boa leitura!
— Gabriel Pinheiro


Falando a real sobre Design

Na Psicologia, costumamos dizer que o estudo do comportamento é o estudo de interações entre uma pessoa (um organismo) e um ambiente. Que cada uma dessas interações transforma esse organismo, e por isso cada indivíduo é tão especial e único. O design é incrível porque se baseia na capacidade humana de criar um ambiente que afete nosso comportamento de formas planejadas. 

Esse é um grande poder, mas um poder que não faz juízo de valor: criar pode implicar em mudanças de todo tipo no comportamento, nem sempre as mais benéficas para o indivíduo ou para a sociedade. Esse nível de impacto cultural e histórico que todo design carrega no seu centro é o que me faz ser completamente fascinada por essa área!

Sobre o cenário atual

1. Como você enxerga o papel do Design de Produtos Digitais nas empresas brasileiras?

I: Sou otimista no sentido de que vejo o design brasileiro se desenvolvendo e ganhando identidade. Mas, ao mesmo tempo, o cenário geral também é de precarização das condições de trabalho. Isso significa uma tensão, em boa parte silenciosa, entre profissionais brilhantes e em franco amadurecimento e uma terra pouco fértil dentro de muitas empresas.  É muito comum que o investimento em UX ainda seja visto como secundário. 

2. Qual é o valor que o Design entrega e qual impacto pode gerar através do trabalho de um designer de produtos digitais?

I: O valor de entrega do design vai depender completamente das relações que o time consegue manter com outras áreas da empresa, o nível de influência que terá, e a qualidade com a qual prevê o impacto e implementa soluções efetivas. Há um termo, cunhado em inglês pela Tanya Snook e discutido em um texto em portugues do André Grilo que vale muito para essa discussão: o Teatro de UX. A autora usa esse termo para discutir os contextos onde o trabalho do designer é apenas pro-forma, não há espaço para que se questione ou se evolua, de fato e a partir do uso dos métodos do design, as práticas organizacionais que afetam o usuário. 

Um designer que é apenas executor de uma estratégia da qual ele não participou, que apenas faz entregas acríticas e conformistas nunca será um designer que impacta o negócio profundamente, que inova e que se torna indispensável. Por outro lado, nem toda empresa vai valer a briga para essa mudança de cultura: é importante colocar nosso esforço onde ele é respeitado e valorizado. 

3. Quais são os principais desafios para quem busca trabalhar com Design hoje?

I: A pandemia mudou muito o cenário profissional para todo mundo que trabalha com tecnologia, e especialmente nas áreas de design e produto isso fomentou um ambiente de popularização das formações curtas, grandes promessas de bons salários muito rápido, crescimento acelerado na carreira e assim por diante. Pouco tempo depois começaram os layoffs e os times de produto e design foram fortemente impactados. 

A oferta de vagas também tem mudado, e embora faltem profissionais de alta senioridade, especialistas e lideranças, as vagas para profissionais em início de carreira ficam cada vez mais escassas. Alguns desafios não são específicos da área de ux, como por exemplo a precarização dos contratos de trabalho, o abandono do trabalho remoto (que prejudica principalmente profissionais de fora de São Paulo e das capitais) e a confusão entre o que é ser um bom profissional e um criador de conteúdo ou influenciador (até mesmo meus colegas que atuam na psicologia clínica já sentem essa cobrança para produzirem conteúdo como uma chancela à sua competência profissional!).

4. No seu contexto, quais são os principais desafios que você enfrenta atualmente?

I: Trabalhando em consultoria, eu diria que meus maiores desafios são de duas natureza: técnicos e políticos. Em relação aos desafios técnicos, a diversidade de projetos com a qual eu atuo exige de mim grande capacidade de aprender rapidamente, me adaptar a novos contextos e domínios e saber fazer perguntas relevantes que me ajudem a entender os reais problemas da organização (que nem sempre são aqueles que motivaram a contratação por quem tomou a decisão). Esse fator de incoerência é o que me leva ao segundo ponto: geralmente o meu trabalho começa pela negociação dos objetivos e indicadores de sucesso que adotaremos para o projeto. Isso significa que muitas vezes encontro cenários de incoerência, onde a percepção das prioridades pela alta gestão e diretoria não se parece em nada com a percepção de prioridades de quem está no dia a dia da operação. É comum encontrar um clima tenso entre os stakeholders e a equipe, e por isso meus esforços iniciais são para criar uma relação forte, honesta e de colaboração com o time da empresa, sabendo que depois que meu contrato se encerra essa equipe provavelmente continuará lá e será responsável pela continuidade (ou não) do projeto que implementamos. 

Muitas vezes encontro equipes oprimidas, desencorajadas ou desamparadas, onde os profissionais sentem que não são ouvidos ou que não tem espaço para tentar qualquer coisa nova.

Nesses casos, a frase “isso não vai dar certo” ou “já tentamos” vem com frequência, e aí muito do meu trabalho é me posicionar como uma força adicional para impulsionar essas ideias, e não como uma competição interna. 

De volta à questão técnica, outro problema comum com o qual lido é a baixa maturidade de dados nas empresas, e isso vai muito além de ter um time de data science consolidado: muitas vezes não há sequer a cultura de definição de indicadores, muitas vezes os projetos chegam sem nenhum status relevante do quadro que se espera mudar e sequer existe uma noção clara do que se quer impactar com uma determinada mudança no produto.

5. Como é um dia típico de trabalho para designers? O que você faz e onde costuma concentrar mais energia?

I: Eu hoje não atuo como UX designer, mas como consultora em design comportamental. Isso significa que, em uma semana típica, eu terei:

  • Atividades comerciais: por exemplo, desenhar propostas, precificar projetos, delimitar o escopo de atuação, conduzir reuniões de prospecção e negociação, etc);

  • Atividades técnicas: buscar literatura científica e técnica que seja relevante para o projeto, redigir relatórios, planejar testes e experimentos, desenhar intervenções comportamentais, revisar resultados, etc;

  • Atividades de gestão de pessoas: 1:1 com a minha equipe, reuniões com as equipes dos clientes, mediação de conflitos, etc) e atividades estratégicas (acompanhamento dos nossos resultados e indicadores, gestão de projetos, planejamento e priorização de futuros contratos, etc;

Pela característica do meu trabalho, minha maior preocupação sempre estará na qualidade e robustez científica das soluções que eu projeto e na confiabilidade dos resultados dos meus testes - é nesse processo de construção de confiança nos nossos resultados que nossos serviços de consultoria se valorizam, ganhamos em eficiência e reputação, e todas as outras atividades da cadeia se beneficiam disso. Eventualmente, é necessário focar mais em uma ou outra área, mas tento manter reservado meu tempo para produzir com calma e qualidade aquilo que é o cerne do meu trabalho. Costumo brincar que o trabalho de um cientista comportamental é um trabalho artesanal, e que uma empresa de consultoria em design comportamental é como um ateliê: cada projeto é único, e precisamos de atenção e cuidado na elaboração de cada solução. 

6. Designers devem se preocupar com outras disciplinas estudando sobre Design? Existe o risco de generalização do Design de Produtos Digitais?

I: Aqui sou obrigada a responder com clubismo, porque não sou designer de formação (risos). Penso que o design é interdisciplinar por natureza: empresta não apenas teorias, mas também métodos, de diversas áreas. Da mesma forma, a maior parte dos designers precisa se comunicar e colaborar com profissionais de outros campos do conhecimento, e às vezes é muito difícil encontrar um vocabulário em comum e entender as prioridades e motivações de pessoas tão diferentes.

A participação de pessoas com backgrounds diversos enriquece a construção teórica do design e permite a sofisticação dos métodos de criação usados no dia a dia.

Há um debate corrente entre duas visões bastante radicais de como se faz, em termos práticos, o fortalecimento do design como campo aplicado. A primeira entende que o design deve ser tratado como uma área de alta especialização, onde quem toma as decisões estratégicas relacionadas à experiência de uso do produto digital é o UX designer, que deve ter uma posição que garanta sua autonomia para aplicar conhecimento técnico profundo nessas decisões. Uma das pessoas que professa essa opinião é a Debbie Levitt, que tem alguns artigos sobre isso no Medium, e para ela é definitivo que a qualidade do trabalho em UX depende dessa proteção à especialidade. 

O outro ponto de vista, defendido por profissionais mais ligados à area de Lean/Agile, é de que os conhecimentos em experiência do usuário devem ser compartilhados e democratizados entre toda a empresa, inclusive em relação à capacidade de fazer pesquisa, propor melhorias de usabilidade, etc como uma forma de aumentar a velocidade de implementação. Essa visão a Debbie chama de “diluição” da profissão de UX.

Eu, particularmente, acho que a resposta está no meio termo: é preciso que todas as áreas tenham uma boa compreensão do trabalho de UX, das prioridades para uma boa experiência, e compreendam a relevância de preocupação com acessibilidade, por exemplo. Todos precisam saber o que o designer faz e porque faz, mas não necessariamente precisam aplicar os métodos específicos do design para chegar a um resultado final. Apesar disso, não acho que o status de área estratégica, ou mesmo o reconhecimento como especialistas, seja um direito nato dos designers: é preciso que o trabalho tenha impacto real e diferenciado, que justifique o investimento em um time de design com inovação real.

Sobre desenvolvimento

1. O que é mais importante saber para quem está começando? Há algo que você gostaria de ter aprendido antes de entrar na área?

I: Pode parecer clichê, mas o primeiro passo é sempre aprender a resolver problemas. Resolver problemas não começa com desenhar soluções em um software específico, e sim ter um repertório diversificado e complexo de ferramentas para diagnosticar o cenário atual e, a partir disso, chegar a soluções criativas que você saiba implementar. Esse é o segredo de todos os frameworks: entender o problema, desenhar uma solução, implementar e avaliar o resultado. Entender essa estrutura básica é o que acelera seu aprendizado, porque a partir dela você consegue expandir seu conhecimento de uma forma lógica, integrada, útil e com profundidade.

2. Na sua visão, existe alguma disciplina por onde faça mais sentido começar?

I: Eu particularmente sinto que meu background na psicologia foi muito útil para entender o design de experiência, mas hesito em recomendar a psicologia como passo inicial porque me preocupo muito com a forma como a disciplina é abordada em muitos dos materiais direcionados a designers que estão disponíveis atualmente.

Entender Psicologia não é decorar vieses cognitivos, ou supostas “leis” de como o comportamento funciona.

Não existe atalho na ciência: é preciso entender os pressupostos, os métodos e as tecnologias geradas a partir dos achados científicos. Muito do que se vê propagandeado como grandes achados da psicologia do design ou não tem evidência nenhuma ou tem evidência fraquíssima e pouca generalização. Justamente pelo quanto é necessário ter um senso crítico bem desenvolvido para entender e aplicar psicologia e neurociências, eu diria que o primeiro passo é entender o método científico. Estudar metodologia de pesquisa não só dá ferramentas para investigar e responder seus próprios questionamentos diários em relação ao comportamento dos usuários, como dá a possibilidade de questionar e avaliar a qualidade das informações às quais se é exposto ao longo do estudo. 

Nessa mesma linha, eu recomendo muito que se estude os métodos de observação direta do comportamento, que são muito úteis para avaliar as soluções e interfaces que criamos, e ainda que não substituam um bom domínio da teoria, ajudam muito a identificar problemas de usabilidade, por exemplo. 

3. O que você acredita que designers de produtos digitais iniciantes não podem deixar de aprender?

I: Aprender a estudar. Quanto mais o mercado de trabalho muda, mais provável se torna que nossa carreira tenha muitas mudanças de contexto ou de domínio, e mais necessário se torna que você consiga se adaptar rapidamente. O mesmo se aplica ao surgimento de novas ferramentas e demandas no dia a dia do designer, e o próprio crescimento na profissão traz novas responsabilidades. 

Aprender de verdade depende de compreender princípios e conceitos teóricos, conseguir aplicá-los na prática e conseguir avaliar com senso crítico as evidências e resultados que se encontra pelo caminho. O tripé teoria-prática-experimentação é indispensável e não dá pra ficar só de um lado - nem decorar teorias, nem aplicar na prática sem avaliar criticamente o que se faz. 

Quanto mais rápido você aprende a lidar com informações novas, unir conhecimentos de áreas diversas, e aplicar isso no seu dia a dia, mais motivador, intrigante e interessante fica a sua trajetória profissional. 

4. Quais são os principais erros e acertos que você percebe em pessoas que estão entrando ou migrando para a área?

I: Acreditar em gurus e promessas milagrosas é um grande erro. Além disso, criar expectativas de uma subida rápida de status na profissão e não estar aberto a aprender. Fora isso, cometer erros é uma das partes mais importantes do processo - mas erre onde você terá feedback e orientação, e erre avaliando as consequências a cada erro. 

5. E para quem busca evoluir na carreira, quais erros você entende que devem ser evitados?

I: Decidir continuar em uma empresa pelos motivos errados. É preciso priorizar suas necessidades e visão de futuro, e entender que a empresa ganha quando você cresce com ela, mas que se não há espaço e incentivos, pode ser necessário buscar outros espaços. É muito comum que as empresas não sejam generosas com a oportunidade de crescimento interno, mesmo quando tem um plano de carreira bastante detalhado. 

Acreditar em “oportunidades” onde seu crescimento de responsabilidades não é acompanhado por maior autonomia nem uma remuneração justa é um grande erro, isso porque uma mudança de cargo implica em tomar decisões de maior impacto para o negócio, e não faz sentido que alguém não seja remunerado de forma coerente quando o impacto que ela gera aumenta. 

6. Na sua visão, quais características técnicas diferenciam um designer Júnior, Pleno e Sênior?

I: O maior diferencial de um senior é saber o que pode mudar, o que não pode mudar, e quando (e como) inovar. Isso exige uma enorme sensibilidade contextual, capacidade de ouvir, de priorizar e de agir de forma efetiva. Quando estamos começando, principalmente quando não temos muito acesso às informações estratégicas da empresa, é fácil cair na armadilha de se frustrar com decisões que parecem top down ou com projetos e ideias que não vão pra frente. 

Essa sensibilidade contextual pode até parecer algum tipo de soft skill não técnica, mas no caso do designer ela está relacionada a fazer as perguntas certas, entender profundamente o domínio e as necessidades de negócio, os impactos do design na organização e mensurar riscos e benefícios para todas as ações.

7. Como você enxerga a trajetória até alcançar o nível Sênior em Design de Produtos Digitais?

I: Existem certos fatores de maturidade que só vem quando você vive na prática uma diversidade grande de cenários. Uma coisa é entrar como estagiário em uma empresa e crescer até senior, construir 8, 10 anos de carreira em um único contexto e conhecer aquele mercado e a cultura organizacional de onde você trabalha com muita profundidade. Outra coisa é atuar em vários domínios, com diferentes tipos de gestão, diferentes estilos de liderança, problemas variados e tendo que reaprender a se comunicar em novas culturas frequentemente. Eu não acho que um é melhor que o outro, mas acho que são trajetórias de senioridade bastante diferentes e que te desenvolvem de forma diferente como profissional. 

O mais importante é que, mesmo no cenário onde se constrói uma carreira longa em uma única empresa, esse profissional identifique a estagnação como um risco de desenvolvimento. Quando tudo parece fácil, igual, sem novidade e sem desafio, ou quando os problemas são sempre coisas sobre as quais você não pode fazer nada a respeito, esse é um contexto de atraso do seu desenvolvimento profissional. 

8. Como você escolhe quais temas estudar? Baseia-se nas demandas do mercado, nas tendências, nas capacidades tecnológicas ou em outros fatores? 

I: Hoje eu estudo muito focada nos projetos que assumo, que costumam ter características muito diversas entre si (o design comportamental pode ser aplicado não apenas em problemas de UX, mas também na área de design de serviço, gestão de produto e alguns problemas comportamentais internos nas empresas), mas tento acompanhar newsletters e literatura científica sobre a área de UX como um todo e sobre alguns temas específicos que me fascinam, como game design, filosofia, abordagens mais puramente acadêmicas da Interação Humano-Computador… Quanto mais diversidade temática, melhor. 

Portfólio & Carreira

1. Qual dica você daria sobre portfólio para quem está começando? Quais critérios ajudam a estruturar um portfólio efetivo e quais atributos não podem faltar?

I: Minha dica é operacional e mais complexa na prática do que parece: documente tudo o que for possível do processo de design durante o projeto. Não espere para compilar as informações importantes depois. Especialmente em relação a dados, contexto do projeto, o que deu errado e porque deu errado… Então mantenha uma documentação rica de tudo que você pretende incluir no seu portfolio, sempre observando questões de ética profissional e sigilo. 

Em geral, vejo poucos portfolios abordando as questões éticas e reflexões sobre impacto nas decisões que são descritas, e isso é uma coisa que eu sempre levo muito em consideração tanto para o desenho de pesquisas no âmbito de UX quanto para as decisões tomadas no momento da criação.

2. Como desenvolver conhecimento em Design por meio de cases fictícios? E, na sua opinião, de que forma eles ajudam na busca por vagas?

I: Os cases fictícios devem ser encarados como esforços teóricos de estudo, e por isso precisam ser feitos com rigor teórico e demonstrar domínio conceitual dos assuntos que aborda. Podem ser uma ferramenta excelente para fixar aprendizados, mas não demonstra capacidade prática ou profissionalismo. Quando vejo esse tipo de produção sempre analiso as informações que a pessoa usou, como ela levantou dados para respaldarem as decisões de design que fez, mas principalmente as lacunas de informação que ela admite ter. É muito raro que algum case fictício realmente tenha todas as informações necessárias para que se crie algo realmente bom, então me interessa mais as perguntas que são feitas, as omissões de informação que são apontadas e as fontes externas onde se busca. 

3. Como você acredita que um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) pode ser estruturado para proporcionar um desenvolvimento concreto?

I: O PDI deve ser, como o próprio nome diz, individualizado. Isso significa que o profissional deve ter propriedade sobre ele, considerando sua visão de carreira e seus objetivos a curto, médio e longo prazo. Esse caminho é diferente para cada pessoa, e nem sempre o percurso padrão de desenvolvimento da sua empresa dará conta de tudo que você precisa. Aí entra uma responsabilidade da liderança: ser capaz de alinhar o PDI a esses objetivos de desenvolvimento, apoiar a pessoa na descoberta desses objetivos quando eles não estão claros e sugerir possíveis caminhos para a concretização desse plano. 

Independente dos objetivos específicos, há um caminho geral de desenvolvimento para todos os profissionais que passa pela evolução técnica:

  • Entender os motivos pelos quais decisões são tomadas;

  • Identificar os fatores relevantes na tomada de decisão;

  • Aprender formas mais sofisticadas e eficientes de resolver problemas, etc.;

E tudo isso pela evolução interpessoal, com foco na gestão de stakeholders e relacionamento dentro e fora do time. 

4. Pensando em quem está em busca de novas oportunidades, como mostrar conquistas e resultados ao pleitear novas posições?

I: Existe um lado muito positivo e um muito negativo em construir uma carreira “de nicho”, como eu fiz. O lado bom é que quem já colaborou comigo em algum projeto sabe como eu trabalho e que há especificidades na minha entrega que são raras e valiosas no mercado, então meu networking e rede de indicações é bem forte, o que faz com que eu tenha escapado da busca por emprego pelo método tradicional de candidatura a vagas pelos portais que usam IA para escanear currículos, por exemplo. 

O lado ruim é que é um pouco mais difícil explicar para alguém que nunca trabalhou comigo o que eu faço e criar uma narrativa lógica sobre o trajeto de carreira que eu segui. Não é comum que as empresas tenham vagas ou times dedicados unicamente a design comportamental, mas tento concentrar minhas buscas onde sei que já há algum espaço para isso. No fim das contas, tenho a impressão de que quanto mais especializado você se torna, mais o networking é fundamental. Isso pode, em muitos casos, ser uma fonte de desigualdade e enviesamento no preenchimento de cargos mais altos - é muito mais fácil ter networking quando você já tem uma boa quantidade de anos de experiência acumulados, ou quando você conseguiu frequentar espaços de poder desde muito cedo - o que é, geralmente, privilégio de uma parcela muito pequena e muito específica da população. Por isso acho indispensável, principalmente para profissionais que vem de uma realidade social diferente ou pertencem a minorias, criar comunidade e rede de apoio com outros profissionais. 

Eu confesso que ainda evito um pouco começar uma produção consistente de conteúdo nas redes sociais, mas entendo que é um caminho possível para disseminar sua expertise e as coisas que te diferenciam como profissional. É importante que esse conteúdo seja autêntico, fácil de assimilar, mas profundo e único.

Uma visão sobre futuro

1. Como você gostaria que fosse o futuro do Design? E o que seria necessário para que esse futuro se concretize? 

I: Gostaria de um futuro onde há ainda mais diversidade na aplicação do design e ainda mais participação de designers no redesenho de espaços e serviços públicos e privados e na criação de soluções que realmente melhorem a vida das pessoas. Com a atuação cada vez mais direcionada para produtos digitais com fins lucrativos. Há um mundo de possibilidades de criação que fica inexplorado, e um mundo de problemas que continua perpetuado. 

2. Quais oportunidades você enxerga para a evolução da nossa disciplina de Design de Produtos Digitais?

I: No Brasil, a experiência dos usuários no setor público tem sido um debate acalorado e muito frutífero. Acredito que há muito que aprender e muito o que contribuir com o desenho de políticas públicas e soluções governamentais. Também vejo muito espaço para o design comportamental e uma compreensão ampliada do trabalho do designer de experiência, com uma aproximação cada vez maior da ciência e de métodos estruturados e validados. 

Acredito que em breve encontraremos um cenário - que não considero necessariamente positivo ou negativo - de uma valorização de uma prática de design baseado em evidências no sentido que essa expressão é usada na área da saúde: o apelo forte a uma padronização da prática e aplicação de técnicas com suposta validade científica e estatística. 

3. Como você acredita que a Inteligência Artificial vai impactar o trabalho em Design?

I: No lado positivo, acredito que a automação de tarefas repetitivas ajuda muito a liberar tempo e força para tarefas mais cativantes e impactantes. Acho que há muita coisa no dia a dia de UX que pode ser automatizada e, assim, até ganhar em qualidade e padronização. Nesse sentido, com a ressalva de uma compreensão aprofundada de questões éticas, de sigilo e de propriedade intelectual na hora de usar uma ferramenta de IA, eu acho uma evolução bastante positiva. 

Do lado negativo, temos o medo generalizado de que as IAs sejam capazes de substituir o trabalho humano tanto no UX design quanto na pesquisa com usuário. Eu não acho que esse medo seja de todo infundado, principalmente em um cenário onde muitas empresas já limitam a entrega dos designers a um trabalho medíocre e de pouca criatividade. Como a Debbie Levitt também aponta, a IA vai substitui sim muito trabalho criativo humano se você não está preocupado com qualidade. O que já está sendo mal feito por humanos pode ser mal feito por uma máquina a um custo muito menor. 

4. Como você vê a próxima geração de designers de produtos digitais?

I: Acredito que a próxima geração de designers de produtos digitais precisa ser ética, crítica, adaptável e preparada para lidar com os desafios de um mundo em constante transformação. É essencial que dominem não apenas os métodos e ferramentas do design, mas também os fundamentos teóricos, e que estejam sempre buscando se atualizar em um mercado tão dinâmico. 

Valorizo muito o método científico e a pesquisa, então vejo como fundamental que eles tenham capacidade de análise, saibam interpretar dados e tenham uma mentalidade voltada para o aprendizado contínuo.

Outro ponto crucial é a ética profissional. Com o avanço da inteligência artificial e outras tecnologias, é indispensável que a próxima geração de designers considere as implicações éticas do seu trabalho e tenha consciência do impacto que ele pode causar na sociedade. Espero que usem seus conhecimentos para criar soluções que realmente beneficiem as pessoas e o mundo.

Sobre a Izadora

Cientista Comportamental que traduz conhecimento científico em soluções para problemas do mundo real. Doutora em Educação Especial pela UFSCar, Mestre em Análise do Comportamento pela UEL e Bacharela em Psicologia, suas pesquisas abordam a interface entre as Ciências Comportamentais e a tecnologia. Com experiência em pesquisa, docência, mentoria e liderança de equipes, já atuou em gestão de produtos digitais, pesquisa em UX e design de jogos educacionais. Atualmente, é coordenadora científica de projetos de consultoria e pós-doutoranda na Unicamp

Publicado em:

Gabriel é estrategista, autor e palestrante. Publicou livros sobre design estratégico, já palestrou na UX Conf e em empresas como Itaú, Boticário, Magazine Luiza, Ifood e Livelo. Formado em design de produto, é sócio da PunkMetrics e já trabalhou em empresas como Wine.com.br, Autoglass, SKY, Handmade e Thoughtworks. Além de ajudar no desenvolvimento de outros designers, é especialista em temáticas como estratégia, ecossistemas, inovação e educação.

Livros de Design que amplificam e potencializam a voz do Design brasileiro.

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