26 de jun. de 2025
Rafael Frota falando a real sobre Design
Carreira, comunidade, craft e os dilemas reais do design de produtos digitais. Uma conversa franca com Rafael Frota.
Na continuação da série Falando a real sobre Design, convidamos Rafael Frota — designer, editor e coordenador de UX — para uma conversa sincera sobre carreira, prática e desafios do design de produtos digitais no Brasil.
Com uma trajetória que combina liderança em comunidades, curadoria de conteúdo e experiência prática em grandes empresas, Rafael compartilha aprendizados sobre formação, maturidade profissional, craft, IA, e o futuro da nossa disciplina. Uma conversa direta com quem conhece de perto os altos e baixos da área, mas segue apostando no poder coletivo do design como ferramenta de transformação.
Boa leitura!
— Gabriel Pinheiro
Falando a real sobre Design
Eu amo viver, e curiosidade é vida. Como o Design é multidisciplinar, se conecta com várias disciplinas: psicologia, estética, negócios ou até mesmo filosofia, essa curiosidade é acionada sempre. Por isso, poder ter uma profissão permite trabalhar (e viver) tantos projetos diferentes é incrível. Melhor que isso é sentir o impacto do seu trabalho mudando, de fato, a vida das pessoas. Tem coisa que nos faça sentir mais vivos do que sentir que somos úteis?

1. Como você enxerga o papel do Design de Produtos Digitais nas empresas brasileiras?
R: O papel, hoje, vejo como essencial, ainda mais num mundo cada vez mais digital; o que muda é como esse papel é exercido e por quem.
A meu ver, em empresas menores, ele (o design de produtos digitais) funciona como canal de contato. Um meio pra se chegar à receita e lucro; um meio apressado porque a sobrevivência está em jogo. Logo, geralmente não é exercido com tanto zelo, recursos ou incentivos quanto poderia. É comum quem exerce não ter muito poder de decisão e/ou estar abaixo de outras áreas.
Já em empresas mais robustas, ele é uma estratégia; é uma aposta que direciona e viabiliza caminhos pro sucesso de forma mais segura, confiável e única. Não como em um conto de fadas, mas como em uma estrutura que tenta — mesmo que nem sempre consiga — fazer isso acontecer da melhor forma.
Porém, só de refletirmos sobre esse cenário ele muda. Cabe a nós torná-lo uma realidade positiva.
2. Qual é o valor que o Design entrega e qual impacto pode gerar através do trabalho de um designer de produtos digitais?
R: Projetar para uma realidade futura melhor.
Acho que, independente do momento do projeto, Design tem uma capacidade de transformar coisas ruins em coisas boas, e coisas boas em coisas ainda melhores.
Já o impacto depende de algumas coisas: a solução em si, como ela é percebida e o potencial de alcance. Mas, no geral, o impacto foca em negócios; quem paga seu salário.
3. Quais são os principais desafios para quem busca trabalhar com Design hoje?
R: Entender (e aceitar) que Design não é fácil.
É difícil, complexo, agoniante. Tanto na busca quanto na atuação do dia a dia. Você vai sentir que não sabe nada e que está fazendo tudo errado. Se sentir isso, está no caminho certo.
A dificuldade é o prenúncio da realização
4. No seu contexto, quais são os principais desafios que você enfrenta atualmente?
R: Os desafios são justamente os desafios, no plural. Antes, eles vinham sozinhos e (quase sempre) um de cada vez. Agora eles vêm em bando, todos ao mesmo tempo. Covardes.
A dificuldade é lidar com todos eles enquanto capacito outras pessoas pra me ajudarem nessa batalha e equilibrar o jogo. Quer entrar na briga?
5. Como é um dia típico de trabalho para designers? O que você faz e onde costuma concentrar mais energia?
R: Começo o dia com café. Sempre. Ah, e com açúcar (a vida já é amarga demais).
Depois do essencial, começo revisitando o que preciso fazer. Vejo minhas tarefas, quais projetos elas estão e quais são relacionadas ou dependentes uma da outra. Sabendo o que fazer primeiro, mãos à obra. Acho que aqui é onde coloco mais energia. Odeio não saber porquê estou fazendo algo; coisa de designer?
A mão na massa é a parte fácil, contando que todas as dúvidas, regras e limitações estejam claras — o que dificilmente é o caso. Então, busco esclarecimento. Ser designer envolve falar com muitas pessoas e descobrir as coisas rápido. Quanto mais contexto, mais fácil e difícil é agir. Sim, é contraditório mesmo.
Depois disso, por aqui tenho uma etapa “bônus”; o esmero. Procuro de todas as formas um jeito de fazer algo minimamente especial. Seja um texto, um detalhe, qualquer coisa. Infelizmente, não sei fazer de outro jeito. Por fim, encerro o dia com mais um café. Boa noite.
6. Designers devem se preocupar com outras disciplinas estudando sobre Design? Existe o risco de generalização do Design de Produtos Digitais?
R: Designers sempre se preocupam com tudo — é a alegria e a dor de se trabalhar nisso. Só tem uma preocupação que acredito que devemos ter: fazer nosso ofício com responsabilidade. A demanda vai sempre existir, a diferença é onde nossa atenção será necessária. Vamos focar no que importa; impactar positivamente a vida das pessoas e dos negócios de forma responsável e ética. Temos muito mais a ganhar.

1. O que é mais importante saber para quem está começando? Há algo que você gostaria de ter aprendido antes de entrar na área?
R: Agora quantidade é melhor que qualidade. Agora. Depois você vai precisar equilibrar melhor os dois pratinhos; mas, por agora, foque em fazer mais, não em fazer melhor. Você não sabe o que é melhor se é sua primeira vez fazendo algo. Pratique muito.
2. Na sua visão, existe alguma disciplina por onde faça mais sentido começar?
R: Sim: pela que você gosta mais.
Depois de começar, o mais importante é continuar, e é muito mais difícil de continuar por algo que não se gosta. Vou te fazer uma pergunta: sabe qual é a faixa de jiu-jitsu mais difícil de se conquistar? Pensou na faixa preta? Errou. A faixa mais difícil de se conquistar é a primeira, a faixa branca. Por quê? Porque a maioria das pessoas desiste no caminho. Não desista.
3. O que você acredita que designers de produtos digitais iniciantes não podem deixar de aprender?
R: Que errar faz parte do processo. Que tirar dúvidas não te diminui. Que não existe uma obrigação de saber tudo. Que se virar vai te tornar melhor. Que tem coisas que ninguém pode fazer por você. Que nosso trabalho é muito mais importante do que podemos imaginar. Que nem sempre o usuário tem razão. Que vamos ter que engolir sapo e fazer coisas que não acreditamos, mas que não podemos nunca deixar que isso nos tire a esperança de querer fazer melhor numa próxima vez.
4. Quais são os principais erros e acertos que você percebe em pessoas que estão entrando ou migrando para a área?
R: Acertam em entrar em contato com muitas referências, exemplos, métodos, processos e técnicas.
Erram ao fazer coisas sem pensar. Sem conseguir dar uma justificativa das decisões que tomaram. Por favor, não decida algo só porque viu algum método ou artigo. Tente criar seus próprios argumentos; de preferência com base em informações sobre os usuários ou sobre o contexto do negócio.
5. E para quem busca evoluir na carreira, quais erros você entende que devem ser evitados?
R: Não pensar em porque quer evoluir. Às vezes a gente quer evoluir pra se comparar com outras pessoas ou apenas pra ganhar mais. Nem sempre a gente precisa mudar completamente pra evoluir. Talvez você não precise aprender algo totalmente novo. Talvez você não precise se tornar uma liderança. Podemos continuar melhorando ao mesmo tempo em que continuamos sendo quem somos.
6. Na sua visão, quais características técnicas diferenciam um designer Júnior, Pleno e Sênior?
R: Pra mim, senioridade é sobre confiança. Quanto mais sênior, mais posso confiar em você. No lado técnico, isso se desdobra em considerar mais cenários, materializar para experiências com menos riscos, saber quando ou quais técnicas e métodos utilizar, etc. Se quer saber o detalhe disso no mão na massa (ou craft, como é conhecido) recomendo o artigo ‘Os 7 níveis do craft de design — e como alcançar o próximo’ do Fabricio Teixeira.
7. Como você enxerga a trajetória até alcançar o nível Sênior em Design de Produtos Digitais?
R: Relativa. Depende muito da quantidade e do nível de desafios que você vai precisar encarar, e da intenção que você tem ao resolvê-los. Senioridade é muito relativa, um sênior de uma startup local pode ser um júnior do Google, então é uma trajetória que não deve ser apressada.

1. Qual dica você daria sobre portfólio para quem está começando? Quais critérios ajudam a estruturar um portfólio efetivo e quais atributos não podem faltar?
R: O arroz com feijão: quem é você e porque isso importa. Além de chamar atenção visualmente (o que é bem relevante) só preciso saber de fato, três coisas: qual era o problema, como você resolveu e o que isso gerou de impacto. Use o ‘Design Thinking’ e tenha empatia por quem está recrutando. O que essas pessoas querem ver? Como você torna a experiência delas melhor pra te contratar? Isso já dá muito pano pra manga.
2. Como desenvolver conhecimento em Design por meio de cases fictícios? E, na sua opinião, de que forma eles ajudam na busca por vagas?
R: Já vi casos de pessoas contratadas apenas com cases fictícios. Acho que ajudam nos dois casos: tanto a construir repertório, praticar, exercitar, quanto a pelo menos ganhar experiência na busca por vagas. Logo, quanto mais melhor. Ter apenas um case muito evoluído, talvez não traga muitos resultados.
3. Como você acredita que um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) pode ser estruturado para proporcionar um desenvolvimento concreto?
R: Sem burocracia. Acho que PDIs sempre são tratados aos extremos: ou são ignorados ou são vistos como um projeto ultra complexo, com gráficos em teia e etc. Pra mim deveria ser mais simples: listar o que a pessoa gostaria de evoluir, o que a empresa ou time precisa agora no momento, unir essas coisas e definir 1 (um) foco para acompanhar. Pra mim é mais sobre acompanhamento e foco que sobre estrutura.

1. Como você gostaria que fosse o futuro do Design? E o que seria necessário para que esse futuro se concretize?
R: Um futuro onde deixamos de colocar mais energia em trabalhos ‘manuais’ que mais em trabalhos ‘intelectuais’, onde fazemos menos telas e pensamos e definimos mais estratégias e como poderiam ser experiências únicas. Acredito que precisamos nos ajudar. Trabalharmos mais nessa direção com intenção e tentando criar uma “rede” de conhecimento em torno da nossa comunidade de design e de designers.
2. Quais oportunidades você enxerga para a evolução da nossa disciplina de Design de Produtos Digitais?
R: Organização e afeição. Podemos fazer melhor, mas o dia a dia é cruel e acabamos por perder o gosto. Não podemos deixar isso acontecer. E devemos nos unir. Não em busca de um inimigo em comum (não temos inimigos, como diria Thors de Vinland Saga), mas em busca de melhorar nossas condições. Dificilmente conquistamos algo grande sozinhos.
3. Como você vê a próxima geração de designers de produtos digitais?
R: Com esperança. Provavelmente são pessoas com contextos, histórias e vivências com internet e tecnologia completamente diferentes da minha, mas que acredito que terão muita capacidade de melhorar a vida pra elas, nós e todas as pessoas. Vida longa à nova geração, precisamos delas!
Sobre o Rafael
Rafael Frota é o Editor-chefe do blog UX Collective Brasil, Coordenador de UX no UX Unicórnio e Product Designer Especialista na Stone. Trabalha com Design há 11 anos, com foco no digital há 9.
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Gabriel é estrategista, autor e palestrante. Publicou livros sobre design estratégico, já palestrou na UX Conf e em empresas como Itaú, Boticário, Magazine Luiza, Ifood e Livelo. Formado em design de produto, é sócio da PunkMetrics e já trabalhou em empresas como Wine.com.br, Autoglass, SKY, Handmade e Thoughtworks. Além de ajudar no desenvolvimento de outros designers, é especialista em temáticas como estratégia, ecossistemas, inovação e educação.
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