30 de set. de 2025
Design como estratégia pública e ponte entre mundos
Entrevista com Gisele Raulik Murphy
Este depoimento faz parte do material extra do meu livro. Durante o processo de pesquisa e escrita, conversei com designers, pessoas pesquisadoras e lideranças que ajudaram a moldar a prática do Design Estratégico no Brasil.
Nesta primeira conversa, apresento Gisele Raulik Murphy: uma das vozes mais influentes na articulação entre Design, política pública e desenvolvimento. Falamos sobre sua trajetória no Centro de Design do Paraná, o papel desta área como vetor de transformação e os aprendizados de uma carreira construída entre governos, empresas e comunidades.
Um diálogo que reforça uma das ideias centrais do livro: o Design precisa ultrapassar as fronteiras do mercado e atuar onde pode gerar impacto sistêmico.
Boa leitura!
— Érico Fileno
Uma conversa que ultrapassa as fronteiras do Design
Minha trajetória no Design começou na infância, ao lado do meu avô, professor de Geometria Descritiva e Desenho Técnico no Cefet-PR. Ele me ensinava na prancheta, com esquadros e hachuras, e desde muito cedo entendi que o desenho fazia parte da minha essência. Quando ele faleceu, ainda na minha adolescência, decidi seguir seus passos. Ingressei no Cefet-PR com o sonho de me tornar professora como ele e coordenar o curso de Design.
O nascimento do Centro de Design do Paraná
Durante o curso de Desenho Industrial, meu universo se expandiu. Fui para a UFPR e, na virada dos anos 2000, experimentei o campo emergente do web design. Estagiei na Celepar, mas logo percebi que o digital não me encantava tanto quanto os aspectos estratégicos da profissão. E foi naquele momento que surgiu a oportunidade de participar do Centro de Design do Paraná — um projeto ainda em fase de estruturação, idealizado por Jaime Lerner e gerido por Geraldo Pougy.
O convite veio por meio do arquiteto Manuel Coelho, com quem trabalhei durante a organização do N Design. Era 1998 e eu não fazia ideia de como esse projeto mudaria o rumo da minha carreira.
Conectando Design e indústria
O Centro foi concebido para conectar Design e indústria, promovendo inovação sem executar projetos diretamente. Atuávamos como articuladores, criando pontes e desenhando processos para facilitar o acesso das empresas ao Design de qualidade.
Nosso papel era estratégico: despertar a demanda por Design na indústria paranaense, facilitar o acesso a escritórios de todos os portes e fomentar o crescimento do setor.
Criamos ferramentas como o “Caderno de Propostas”, que ajudava as empresas a visualizar o valor do Design. Também desenvolvemos programas como a “Fábrica do Agricultor”, que permitia a inclusão de pequenos produtores em processos de Design, reduzindo burocracia e custos.
Começamos com uma pequena equipe — apenas eu e Geraldo —, mas em pouco tempo chegaram Letícia, Ken, Débora, Érico e Claudia, além de colaboradores como Albertina, Naotake e Rosi Moro. Com o tempo, o Centro cresceu, tornou-se referência e ajudou a consolidar um ecossistema de Design mais estruturado no Paraná.
Gestão de Design e referências internacionais
Sempre buscamos referências internacionais. Na época, a internet estava só começando a se tornar acessível, e nos apoiávamos muito em publicações do DMI e nos poucos contatos que tínhamos com iniciativas fora do Brasil. O Design Wales, por exemplo, tinha uma abordagem parecida com a nossa. Estávamos muito conectados à ideia de gestão de Design — ainda pouco discutida por aqui —, e entendíamos nosso papel como o de criar as condições para que acontecesse e prosperasse.
Em 2002, fui para a Inglaterra cursar mestrado na Brunel University, um dos primeiros programas de Gestão de Design. Lá, aprofundei meus estudos sobre a relação entre a indústria e os programas de incentivo ao Design. Minha pesquisa explorou o papel dos centros de Design como articuladores — um tema ainda pouco investigado, mesmo em países com estruturas consolidadas.
Foi também nesse período que o Design Thinking começou a se consolidar internacionalmente como uma abordagem estratégica. A Ideo teve um papel importante nesse movimento, com quem tive contato em algumas ocasiões. Lembro de um projeto deles — um provador de roupas high-tech sem cliente definido — que me marcou pela ousadia. Era uma época de transição: o Design deixava de ser apenas gráfico ou de produto e começava a se articular como uma ferramenta de transformação de serviços, políticas públicas e modelos de negócio.
Na Europa, especialmente no Reino Unido, crises econômicas e políticas impulsionaram o crescimento do Design de Serviço. Empresas fecharam, a manufatura migrou para outros países, e o governo buscava novas formas de se conectar com os cidadãos. O Design ganhou espaço como ponte para esse diálogo. Organizei uma conferência em 2004 na qual percebi, pela primeira vez, como o Design de Serviços ainda era incipiente, inclusive fora do Brasil.
Desafios e aprendizados no Brasil
Aqui, enfrentamos muitos desafios. Havia poucos profissionais preparados para trabalhar com abordagens estratégicas, pouca literatura traduzida e um certo estranhamento por parte das empresas. Mesmo assim, conseguimos avançar. O Centro de Design do Paraná teve papel fundamental nesse processo, atuando na formação de uma comunidade mais consciente do potencial do Design, especialmente em ambientes industriais e institucionais.
Ao longo dos anos, o Centro mudou de foco, adaptando-se às novas demandas. Hoje, atua mais em promoção institucional do Design em feiras e prêmios internacionais. Mas o legado permanece: ajudamos a inserir o assunto no debate sobre inovação, política pública e desenvolvimento econômico no Brasil.
Design como estratégia e transformação
Essa trajetória me ensinou que Design não é só forma ou função — é estratégia, articulação e impacto. E que, com as ferramentas certas, ele pode transformar não apenas produtos, mas também sistemas, serviços e sociedades inteiras.
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Um dos principais nomes da inovação digital e do design estratégico na América Latina. Com três décadas na interseção entre tecnologia, design e negócios, construiu carreira sólida em empresas como Itaú, Visa, EY, CESAR e sua consultoria, além de fundar iniciativas pioneiras em UX, CX e design de serviço no Brasil. Natural de São José dos Campos (SP), cresceu em ambiente de forte influência tecnológica e acadêmica. Jovem, estudou Informática e foi assistente de pesquisa no ITA, desenvolvendo sólida base técnica. Apesar do viés técnico, escolheu o Design como campo de atuação, graduou-se pela UFPR, fez especializações e mestrado, e se engajou em movimentos estudantis e projetos de transformação social.
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